segunda-feira, 31 de março de 2008



CONTEXTO DOS CIGANOS EM PORTUGAL

Em Portugal os ciganos chegam pelas fronteiras. Vindos da Espanha dos matagais, pela fronteira da Extremadura espanhola que os escondiam das perseguições, simpatizantes do Alentejo, depois considerados como elementos nocivos, perigosos, ao lado dos judeus, significavam risco, ameaça à unidade espiritual do país.
Na era das grandes navegações e descobrimentos o catolicismo, significava o poder religioso no ápice das conquistas, não permitindo divergências em relação aos dogmas, e todos aqueles que infligissem às normas de uma legislação da qual o poder civil e religioso unidos em terras ibéricas, eram severamente castigados, distorcendo assim os princípios dos evangelhos pregados.
Os ciganos com suas crendices e superstições cheios de mistérios trazendo a leitura da sina, a crença no destino, nos esconjuros e receitas mágicas além de terem uma conduta diferente das leis do estado português, os ciganos eram livres e tinham suas próprias leis e regras. Sobre leis ciganas, existe a Krisromaní ou seja justiça cigana, onde absorvem e condenam dentro de suas próprias leis, este julgamento, um tribunal, é feito por Puranos ou seja os mais velhos homens, anciões, que para os ciganos são respeitados e honrados como fonte de sabedoria e conhecimento, um grupo étnico com suas próprias leis
[1], nas leis não ciganas são julgados atos e não valores, pois os ciganos julgam os valores, e depois os atos cometidos.
Eram considerados ameaças severas a Igreja e ao Estado, surgem daí os degredos dos ciganos para a África e Brasil, ao ponto de os ciganos serem enviados de Portugal para as galés e colônias. Somente por serem perturbadores da ordem, e dos dogmas religiosos, e enquadram-se na coragem ou seja destemidos e de estarem em uma condição de não poderem questionar e sim obedecer, enfrentado os primeiros obstáculos na colônia.

“(...) Crimes, libertar da metrópole de gente tão indesejável, furtar, esmolar, ser nômades, fingirem saber feitiçarias, falarem geringonça (língua própria), trajes ciganos, buena dicha (leitura da sina) serem ciganos, andarem em grupo (...)”
[2].

Certamente antes de 1750, houve entre os ciganos redeportações, depois de estarem no Brasil eram degredados novamente, malfeitores, ciganos se não procurassem uma vida correta e sedentária seriam deportados novamente para Angola
[3], mas é lógico que não era somente por mau comportamento, existia como até hoje o preconceito, e simplesmente por serem ciganos já era uma justificativa para despachá-los como nos mostra esta lista[4]:



(Idos do Rio de Janeiro)

Data Nome Idade Tempo a Cumprir Culpa

1726 João de Almeida 20 perpétuo cigano
1740 Antônio S. Farinha G. 21 perpétuo furto
1740 Raimundo José G. 21 perpétuo furto
1740 Francisco de Queiroz _ perpétuo cigano
1740 Cristovão G. de Queiroz 22 perpétuo furto
1740 Joana Alexandre 32 perpétuo furto
1740 Francisco da Cruz 15 perpétuo cigano
1740 André de Araújo 30 perpétuo em Benguela roubo
1741 Joana de Salazar 30 perpétuo cigana
1741 Maria de Salazar 10 perpétuo cigana
1741 Joana de Salazar 05 perpétuo cigana
1741 Maria da Encarnação 36 perpétuo cigana
1741 Manuel de Salazar 14 perpétuo furto
1741 Isabel Fernandes 40 perpétuo furto
1741 Inez Montanhesa 30 perpétuo furto
1741 Gabiella de Arede 40 perpétuo furto
1741 Margarida de Arede 16 perpétuo furto
1741 Maria de Arede 04 perpétuo furto
1741 Manoel Q. Queiroz 30 perpétuo furto
1741 Rosa ª Maia 40 perpétuo furto



Portugal fora um reino unido durante todo o século XV, sem guerras civis, sem contar é lógico com a Alforrobeira, em 1449, neste período vários países da Europa estavam envolvidos em guerras civis ou com o exterior, um importante fato neste período fora a tomada dos portugueses por Ceuta em 1415, inspirados nas cruzadas , queriam erguer a ira “divina” aos infiéis.
A lenda de Preste João, banquetes de trinta mil pessoas em mesas de esmeralda, doze arcebispos sentados a sua direita e vinte bispos, à esquerda, esse fantástico rei-sacerdote , se encontrado e unindo forças seria a chave para a vitória dos portugueses contra muçulmanos de origens moura, árabe, egípcia, turca e todos que propagassem contra a fé inclusive os ciganos que surgiriam em notícias em meados do século XV, logicamente antes já adentravam em Portugal, esses acontecimentos se esclarecem com as bulas papais apregoadas solenemente no período do infante Dom Henrique e seus sucessores, as bulas se espelham nas vontades do rei ou aos que o fizeram em seu nome.
Nelas o papa, manda o rei português a atacar aos pagãos, e aos chamados inimigos de Cristo, reter seus bens, escravizá-los perpetuamente, Dom Henrique, o soldado de Cristo, desejava, fazer, se conhecer o nome de Cristo Jesus mesmo em regiões distantes, forçar infiéis a se converter a igreja, vemos desde já a perseguição aos heréticos, não só por motivos religiosos é claro, mas pela dominação de territórios e conquistas de terras e do comércio além mar, e neste período na segunda metade do século XV, e que vemos por finalizada a peregrinação dos ciganos a Europa, neste momento de perseguições e preconceitos aos não cristãos ou aos que propagassem a fé pagã.
Também faz parte às perseguições dos ciganos na Europa, a concorrência com demasiadas profissões urbanas, artesões, caldeireiros, ferreiros, comerciantes, era difícil para o cigano enfrentar profissões já estabelecidas na região onde se encontravam, havia revolta por parte dos não ciganos, estes não eram agricultores não tinham terras na visão dos gadgés, concorriam até com mendigos e artistas, além do receio as mulheres ciganas, cútis escura, aspecto sujo, língua incompreensível, sem origem conhecida, sem religião, poderes mágicos, pragas, furtos, situações que levavam receio e medo às populações, se transformavam em ameaças políticas para o setor dominante, rural e urbano, havendo locais que se pagavam impostos para expulsão dos mesmos sem direito há não mais voltarem sobre ameaça.
[5]
O primeiro documento que nos remete aos ciganos em Portugal, já se data do início do século seguinte 1510, uma poesia de Luís da Silveira, do Cancioneiro de Garcia Rezende, onde relata o Engano, cometido por um cigano, e em 1521, Gil Vicente monta e apresenta sua notável peça, A Farça dos Ciganos, documento precioso, diálogo entre quatro ciganas Martina, Cassandra, Lucrecia e Giralda, palavras de pedinte das mulheres, caráter de sua etnia, dizem a buena dicha, cantam, dançam, e propõe-se a ensinar feitiços :

“representada ao muy alto e poderoso Rey Dom João III, em a sua cidade d´Evora, era do redemptor”
“Mantenga senhuraz y rosaz e ricaz
Da Grecia sumuz hidalgas por Diuz
Nuestra ventura que fue contra nuz,
Por tierraz estrañas nuz tienen perdidas”.
“Mustra la mano, señura,
Non hayas ningun recelo.
Bendiga te Diuz del cielo,
Tu tienez buena ventura,
Muy buena ventura tienez,
Muchuz bienez, muchuz bienez,
Un hombre te quiere mucho
Otroz te hablan de amurez.”.

Queixas formalizadas surgem sobre o povo cigano, isto nas Cortes de Torres Novas em 1525, se tornando o mais antigo documento legislativo contra o povo nômade: Alvará de 13 de Março de 1526, época de D. João III recusando à entrada e expulsão dos ciganos que forem encontrados sobre seu território, as hostilidades da população de Portugal irá se infiltrar, se misturar as primeiras notícias relatadas sobre os ciganos, e isso se perdurará por muito tempo. O estado para se livrar dos ciganos os perseguia a torturas até condenação á morte. Hoje em tamanha dimensão pode-se observar a falência histórica da política estatal para a deportação e expulsão dos ciganos em Portugal
[6].
Em Évora, 1535 há reclamações de furtos e males diversos, faz a corte em 1538 a promulgar nova lei, justificando e afirmando a expulsão e proibição dos ciganos e diz:

“Serão acoitados as pessoas de qualquer outra nação que forem vistas e a andarem como e com ciganos” .

Isso porque também sempre existiu pessoas que gostavam dos ciganos e os abrigava de alguma forma, ajudando-os essas pessoas não seriam expulsas mas degredadas. Em 17 de Agosto de 1557, nova lei retificando a já mencionada e acrescentando as condenações as galés. Dom Sebastião renova e permanece com a expulsão dando apenas trinta dias para que os ciganos se retirem de Portugal e fica sem valor as leis e licenças de permanências concedidas por D. João III. Já em 11 de Abril de 1579, D. Henrique concede licenças aos que:

“Vivem bem, trabalhem, e não sejam prejudiciais (...) mas,(...) não permitindo que vivam juntamente, senão em bairros apartados, e que andem vestidos ao modo português" .


Se agravando a condição dos nômades, no tempo de Felipe I de Portugal, se torna mais pesada à perseguição aos ciganos, mais um prazo é estabelecido para a saída dos mesmos de Portugal, de quatro meses, aos que insistirem serão sentenciados com pena de morte:

“Sem apelação, nem agravo...”

Torna-se desconhecida a aplicação desta lei, se tal lei estivesse sido seguida à linha, os ciganos teriam saído de Portugal para não serem torturados ou condenados.
Com as ordenações Filipinas, em 1603, com a expulsão dos ciganos, após penas nas Galés e também degredados para a colônia portuguesa na América e no final do século XVII observa-se o grande número de ciganos que são enviados a degredo para o Brasil (trocando assim nomes e trajes assimilando e adotando hábitos portugueses.), assim determina sua majestade D. Pedro, rei de Portugal e Algarves, título LXIV do livro V, epígrafe:

“Que não entrem no reino, ciganos, arménios, árabes, persas nem mouriscos de Granada”.

São indesejáveis a sociedade portuguesa da época.
Mas um século antes no reinado de D. Sebastião em 1574, é degredado para o Brasil, o primeiro cigano do qual se é registrado, o chamado João Torres
[7], prisioneiro na cadeia de Lisboa, condenado às galés em torno de cinco a seis anos, debilitado, doente e pobre, pede a comutação de sua sentença das galés para o Brasil, e para ali permanecer para o resto de sua vida e de sua família mulher de nome Angelina Torres e filhos.
Em 13 de Outubro de 1613, quinze dias para se retirarem, e proibir a transição de cartas de vizinhança a ciganos, cancelando as já existentes. Cria- se a nova fase das leis para os ciganos, uma delas é a deportação para territórios ultramarinos (1647), intensificada por Dom Pedro II, (Alvará de 15 de Julho de 1686), e continuada por Dom João V (Alvará de 10 de Novembro de 1708).
A diplomacia em 1686, se dirige a expulsão dos ciganos de fora e a permanência e recuperação dos que já são da pátria ou seja naturais das terras, filhos e netos de portugueses, daí também uma provável pequena parcela de miscigenação, mas com a condição de se domiciliarem, deixarem suas tradições nômades, não se vestirem como ciganos e não falarem sua língua e sim o português se tornem sedentários e que se cumpram trabalhos corretos e honestos a aculturação imposta pelos portugueses, que tentaram na verdade separar os bons e maus elementos julgados por eles sem grandes resultados, é lógico que os ciganos nunca deixaram de se comunicar em sua língua, como observamos parece realmente que as leis dos Gadjés não foram feitas para os ciganos.
Os Alvarás que datam de 28 de Fevereiro de 1718 á 17 de Julho de 1745, de Dom João V, relacionam –se a expulsão e deportação para as colônias portuguesas. Em 1800, se ordena a prisão de todos os ciganos sem domicilio, os filhos se separariam dos pais, enviados seriam a casa PIA, para serem instruídos na religião e conduta moral cristã, e nas obrigações com a sociedade, mais uma lei que ficou só nos papéis.
Os ciganos não foram elementos que mereceram a atenção da Inquisição em Portugal. Mas Ático Vilas Boas da Mota, ciganólogo, afirma que um dos motivos de os ciganos terem chegado ao Brasil, de forma sub-reptícia, fora fugindo as perseguições da inquisição
[8], heréticos e ateus partindo de um povo cheios de misticismo e esconjuros, somente é mencionado um processo de uma feiticeira acusada em 1682, de magia, e causadora de pestes e ela era cigana, o que muito difere da Inquisição em Espanha em relação aos ciganos que tem maior número de processos.
A Constituição Portuguesa de 1822, já no século XIX, e a carta constitucional de 1826 acaba com as diferenças e desigualdades em função de raça na época, hoje como já mencionada etnia, dando cidadania aos ciganos nascidos em Portugal, nota se como fora longo o tempo para se reconhecer os ciganos como cidadãos portugueses.
Os ciganos eram observados e seguidos, pela polícia, isto está na “Portaria circular de 18 de Abril de 1848, o regulamento da Guarda Nacional Republicana (GNR) de 20 de Setembro de 1920, arts. 182° a 185°” observação cautelosa aos ciganos e seus ataques e atos de pilhagem.






















[1] Hoje na prática, a Justiça Cigana se difere, não existe nenhum código secreto, na posse dos anciões. A Kris é apenas uma assembléia de conhecedores das normas da tradição, mas não um conselho de anciões, a não ser que tal possa coincidir, pois pode acontecer que jovens tome parte dele.(...) Pode se dizer-se que a Kris para o cigano tem uma função patente, que é julgar ou apreciar um problema, mas tem uma função latente, que é a coesão social´´.
Cit. Op. Nunes, p. 184-185.
[2] COSTA, Elisa Maria Lopes. O povo Cigano entre Portugal e Terras de Além Mar, Lisboa Portugal: ed. GTMECDP (Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses), 1997. Pág. 22.

[3] No contexto africano, os ciganos, não tendo data certa de sua chegada, deixam presenças evidentes na Etiópia Meridional da Guiné, No códice do Arquivo Municipal de Luanda, Registros de Carta de Guia de Degradados para Angola (1714-1757), foram degredados, 67 ciganos, 49 homens e 18 mulheres, inseridos ao Exército e nas obras régias.
`` Bandos de ciganos de 28/02/1720, o senado da câmara de Luanda guiados pela coroa, proibia, que ciganos andassem de mantos, mas somente como se andassem em Portugal e no Brasil, sob pena de pagarem 4$000 reis cada um, metade para quem acusar e metade para as obras do conselho ´´ , ( A.H.C.M.L. Registro das cartas Patentes dos Governadores cartas Régias, Portarias, Bandos e Provisões de 1688-1724)
`` (...) Sendo macho, será condenado a acoite e trabalhos forçados nas galés, tratando se de fêmea seria degredada para Angola ou Cabo Verde, por toda a vida, sem levar consigo filho ou filha(...) ´´, Alvará de 28 de Fevereiro de 1720, Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Antiga, volume I, 1446-1754, p. 594.


[4] Costa, Elisa Maria Lopes. O povo Cigano entre Portugal e Terras de Além Mar, Lisboa Portugal: ed. GTMECDP, 1997, p. 62 .
[5] Alemanha e Holanda.
Em 1500 surge a lei de nome ``Dieta de Augusta´´ proibindo a passagem dos ciganos em terras Alemãs.
Nicolich, Conceição, op. cit, p.16.
[6] Esta falência está relacionada, ao grande número de ciganos existentes em Portugal, e a permanência dos mesmos preconceitos étnicos e culturais, colocando o cigano em uma visão marginal da sociedade,
[7] F.A Coelho, op.cit, p. 232, documento 5.
F.A Coelho, Os Ciganos de Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1892.
[8] Mota, Ático Vilas Boas da Mota, Contribuição à História da Ciganologia no Brasil, Goiania, Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, 1982.pág. 3 .

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